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Em
nosso cotidiano corrido, ouvimos falar muitas vezes da morte. Basta ligarmos a
televisão para assistirmos noticiários que nos informam sobre tragédias na qual
morrem muitas pessoas. A sociedade
atual presencia uma banalização da morte. Ouve-se falar dela o tempo todo, como
um fato comum, na qual o jornalista relata, o médico constata, o biólogo
analisa, o policial investiga e etc. Toda essa banalização aproxima cada vez mais a
questão da morte ao cotidiano das pessoas, no entanto, as afasta de seu sentido
mais profundo, impedindo-nos de reconhecer que o fim da vida é um evento ímpar,
intransponível, incomensurável, na qual todos terão que experimentar, e de
maneira singular. Sendo assim, acabamos por presenciar um paradoxo, pois ao
mesmo tempo em que a morte se mostra como algo real e muito próximo de nós,
revela-se também como algo distante e misterioso.
Dessa maneira, o objetivo deste artigo é refletir sobre as
seguintes questões: como a morte, que
representa o fim da existência e o término de toda e qualquer atividade do
homem, pode trazer sentido para a vida humana? Como a morte pode fazer com que
o homem exista de maneira autêntica?
Ao
longo da História, o problema da finitude humana sempre se mostrou como um
assunto intrigante e ao mesmo tempo desconcertante para o homem. Encarada como
o fim da existência, a reflexão sobre a morte sempre causou diferentes reações
nos indivíduos. Para alguns, ela é a passagem para o além, para uma realidade
extraterrena. Outros já a encaram como um salto para o nada. Porém há um ponto
em comum entre os que se ocupam dessa problemática: tomar consciência da
questão da morte leva o homem a pensar sobre o sentido de sua existência.
Dentre
os pensadores que refletiam sobre o problema da finitude nessa perspectiva de
sentido para a vida, podemos destacar o filósofo inglês Montaigne. Em sua obra Ensaios,
este pensador afirma que a morte é um evento inelutável, nada podemos fazer
para evitá-la. Logo, se não podemos aniquilá-la, podemos pelo menos aniquilar o
medo que em nós gera. Para este pensador, o homem é um ser miserável, e a morte
é conseqüência desta condição. O homem morre não porque está sujeito à doença
ou a acidentes, mas porque está vivo. Quem teme a morte, já sofre por
antecipação o que teme. Segundo Montaigne, o papel da Filosofia é fazer com que
o homem aprenda a morrer. Ensinar os homens a enfrentar a morte, será
ensiná-los a viver, já que vida e a morte andam de mãos dadas na miserável
existência humana. A iminência da morte faz com que o homem se empenhe numa
vivência plena e profunda. Neste sentido, Montaigne afirmava que ao
reconhecer-se como um ser mortal, ele podia gozar a vida duas vezes mais do que
os outros.
Martin
Heidegger, um filósofo alemão do século XX, afirmava em sua obra Ser e
Tempo que o homem é um "ser-para-a-morte", isto é, o único
ser-vivo capaz de refletir sobre a questão da finitude, e por ter esta
capacidade, ele se angustia. Por meio de tal sentimento, o homem pode
projetar-se em várias possibilidades que darão sentido a sua própria existência. Segundo
este pensador, por meio do confrontamento com a morte, o homem toma
consciência que não é um ser pré-determinado, que possui uma essência
pré-definida, mas percebe que nunca poderá realizar-se plenamente, pois a morte
irá encerrar sua existência. Com isso, ele se
sente livre para optar por qualquer projeto, e assume sua vida e suas
responsabilidades. Como a vida só é uma, o homem autêntico busca assumir as
possibilidades que realmente possam dar sentido a sua existência.
Partindo
do ponto de vista desses dois filósofos, podemos perceber que refletir sobre a
morte é defrontar-se com a pergunta pelo sentido da existência, pois pensar que
vamos morrer nos estimula a meditar sobre a contingência de nosso ser; pensar
que vamos deixar de existir nos leva a ponderar que nem sempre existimos e que
poderíamos nem ter existido. A reflexão sobre a finitude dá ao homem a plena
consciência de sua existência, a qual não teria sentido algum se a morte não se
enlaçasse perpetuamente à vida. Por isso, não é absurdo pensar que essa
situação limite possa fazer com o que o ser humano se defronte com a questão do
sentido para sua existência. De modo lento ou acelerado, com violência ou
suavidade, a morte propõe ao homem o desafio de pensar a sua própria condição.
Nesse
sentido, Ruben Alves, em sua obra Tempus Fugit, afirma: "Se
me disserem que ainda me restam dez anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada
na teia das medíocres mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam seis
meses, então tudo se torna repentinamente puro e luminoso. Os não essenciais se
despregam do corpo, como escamas inúteis. A Morte me informa sobre o que
realmente importa".
Vale
ressaltar que é muito difícil para nós tomarmos consciência de que a reflexão
sobre a morte pode nos fazer viver mais intensamente. Atualmente, podemos
perceber que as pessoas manifestam uma postura de repulsa frente ao morrer
humano, poucos são os que se confrontam de maneira realista com essa situação
limite. No cotidiano, a morte é vista como uma perda. Nos dias atuais ela vem
se tornando um tema a ser evitado. Essa situação limite representa para o homem
o maior desafio. Ela o obriga a deparar-se com a própria fragilidade; força-o a
defrontar-se com a própria finitude. Ao observarmos os tempos atuais, podemos
perceber que essa interpretação errônea que as pessoas têm da morte se agrava,
pois, na sociedade em que vivemos, que valoriza o lucro exacerbado e a
produtividade a qualquer preço, que promove a competição e ao mesmo tempo a
exclusão, o ser humano que está à beira da morte é considerado um fracassado.
Entretanto,
podemos perceber que as coisas não são assim. A reflexão sobre a morte só nos
fala sobre a vida, nos revela como estamos lidando com nossa existência, e que
caminhos estamos trilhando. Como escreveu Molière em sua famosa obra Dom
Juan: "A morte é a única conselheira e sábia que temos. Sempre que você
sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser aniquilado,
volte-se para sua Morte e pergunte-lhe se isso é verdade. Sua Morte lhe dirá
que você está errado. Nada realmente importa fora de seu toque... Sua Morte o
encarará e lhe dirá: 'Ainda não o toquei'. [...] Um de nós tem de aprender que
a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o
conselho da Morte e abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens
que vivem suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca".
A
partir desta reflexão, podemos constatar que o homem, tendo consciência e
certeza da morte, passa a encarar a sua vida com mais intensidade, assumindo de
fato sua existência, encarando suas responsabilidades e limitações e possuindo
um olhar mais realista do mundo e dos outros. Pense sobre isso.
Autor: Arnin Braga