domingo, 1 de setembro de 2019

O VAZIO EXISTENCIAL E A BUSCA DE SENTIDO: Como evitar o primeiro e encontrar o segundo?




O cotidiano é o lugar onde a vida realmente acontece. Nele vivemos nosso dia-a-dia, nos relacionamos, realizamos nossas atividades e existimos. Entretanto, muitas vezes tal realidade se mostra a nós como uma pesada rotina. Os dias parecem que começam e terminam sem deixar nenhum vestígio importante em nossa memória, e temos a impressão de que a maioria deles não tem impacto no decorrer de nossa vida. Tal situação nos faz experimentar certo desânimo e dissabor na existência, como se as coisas cotidianas fossem perdendo sentido. Na verdade, nos encontramos frente à experiência do tédio ou vazio existencial. Experiência esta que nos descreve Erich Fromm em seu livro “A Vida Autêntica”: “O tédio é a sensação de futilidade vital, de que vivemos na abundância e carecemos de alegria, de que a vida nos escapa pelas mãos como areia, de que não sabemos aonde vamos, de que prevalece a confusão e a perplexidade”. [1]
No entanto, a constatação desta experiência de vazio existencial em nossas vidas nos leva a reflexão de um tema muito mais profundo. Faz-nos perceber a existência de um forte desejo presente no interior de cada homem: a vontade de sentido[2]. Paradoxalmente, quando nos percebemos submersos no tédio e experimentando a sensação de vazio existencial, surge também dentro de nós o desejo ardente de encontrar um sentido à vida, de encontrar-nos com uma realidade que possa fazer-nos simplesmente mudar e recuperar o brilho e a esperança que antes movia nossas ações e que agora, por vários motivos, parece que está adormecida. Você já parou para pensar sobre esta realidade que nos afeta no mais profundo de nosso ser? Você já se perguntou sobre essa vontade de sentido? Esta reflexão terá como objetivo esclarecer a problemática da busca de sentido, fundamentando-se nos estudos do psiquiatra e criador da Logoterapia, Viktor Frankl.
Este pensador era discípulo de Sigmund Freud, porém, ao viver três anos nos campos de concentração de Auschwitz, começou a discordar de seu mestre em alguns pontos de suas teorias. Em seu livro “Em Busca de sentido”, o autor nos descreve os horrores que viveu nos campos de concentração, mas principalmente, ressalta que somente sobreviveram aquelas pessoas que tinham algo por viver, uma esperança, um valor, um sentido... e neles se agarraram até o fim. Enquanto que aqueles que perdiam a esperança e que não encontravam um sentido para seguir em frente em meio a tantos sofrimentos, acabaram definhando. Tal constatação o levou a discordar das teorias materialistas de Freud, afirmando: “Alguns autores sustentam que os sentidos e valores são ‘nada mais que mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações’. Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus ‘mecanismos de defesa’. Tampouco estaria pronto a morrer simplesmente por amor as minhas ‘formações reativas’. O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores!”.[3]
A partir disso, Frankl afirma que além de nossos mecanismos de defesa e reações instintivas ao ambiente que apontava Freud, o ser humano também possui um desejo fundamental, tão intenso quanto os instintos: a vontade de dar sentido à vida.  Como o próprio autor escreve:A busca do individuo por um sentido é a motivação primária em sua vida, e não uma ‘racionalização secundária’ de impulsos instintivos. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprido somente por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará sua própria vontade de sentido”. [4]
Sendo assim, a busca de sentido não é uma invenção do ser humano, mas uma necessidade fundamental que já está presente em seu interior. Tal necessidade pode ficar por muito tempo adormecida, como se a mesma não existisse. Mas em algum momento da vida ela sempre brota com força, provocando-nos a nos posicionar frente à existência, buscando um sentido à vida, um motivo pelo qual se mereça viver. Caso contrário, deparamo-nos com a experiência do vazio existencial e a ausência de sentido. Somente quando enfrentamos a vida a partir dessa necessidade de encontrar um sentido, é que descobrimos a felicidade e o prazer de existir. Porém, quando rejeitamos tal problemática, tudo parece carecer de significado. A vida torna-se uma angustiante rotina onde não há nada verdadeiramente novo ou que nos motive a vivê-la com intensidade.  Caímos, então, no tédio e no vazio existencial.
Em seus atendimentos como psicólogo, depois que ouvia as pessoas comentarem sobre seus problemas e dificuldades, Viktor Frankl lhes perguntava: “Se a situação é tão difícil assim... Por que você não comete suicídio?”. Depois do susto inicial com tal interrogação, imediatamente as pessoas afirmavam que não se suicidariam porque tinham que cuidar dos filhos, ou porque tinham um trabalho muito importante a realizar, um talento único que ainda deveria ser mostrado ao mundo, ou até mesmo velhas lembranças que não poderiam desaparecer assim de forma tão brusca. Depois de ouvir essas respostas, Frankl notava que todas as pessoas – apesar das situações absurdas e difíceis que poderiam estar vivendo – agarram-se a algo, a um projeto, a uma missão ou alguém; realidades estas que fazem com que, para elas, a vida ainda tenha valor e sentido. E a partir dessas respostas, Frankl começava a construir com seus pacientes a descoberta de um sentido para a existência.
Dessa forma, para Viktor Frankl existem três modos de se evitar o vazio existencial e encontrar um sentido para a vida: 1) dedicando-se à pratica de algo; 2) experimentar algo ou amar alguém; 3) enfrentar um destino inevitável e fatal com atitude de firmeza[5]. Estas três vias possuem uma característica comum fundamental que o fundador da Logoterapia chama de autotranscendência, que consiste no movimento de sair de si mesmo, de deixar o próprio egoísmo e seus desejos, para entregar-se totalmente à uma realidade exterior, seja uma ideia, um projeto ou alguém. Como o próprio autor afirma: “entendo por autotranscendência o fato antropológico fundamental de que o ser humano se remete sempre, mais além de si mesmo, a algo que não é ele: a algo ou alguém, a um sentido que o homem busca ou a um semelhante com quem se encontra. E o homem se realiza si mesmo na medida em que se transcende: ao serviço de uma causa ou no amor a outra pessoa. Em outras palavras, o homem só é plenamente homem quando se sacrifica por algo ou se entrega por outro. E é verdadeiramente homem quando se deixa em segundo plano e se esquece de si mesmo”. [6]
Desta maneira, a questão do sentido de nossas vidas está intimamente ligada com a questão de dar-se aos demais e a realidades exteriores a nós mesmos. Desde uma postura egoísta e centrada somente nos próprios desejos de autorrealização, é impossível encontrar sentido à vida e, consequentemente, a felicidade[7]. Isso explica porque atualmente existem tantas pessoas que experimentam uma ausência de sentido e são infelizes. Isso ocorre devido ao fato de que o sistema no qual vivemos nos ensina que a felicidade está justamente na autorrealização, na satisfação dos próprios desejos pessoais e na busca pelo prazer. Tais realidades não trazem a felicidade, pelo contrário, levam-nos a experiência de vazio existencial e ausência de sentido. Sendo assim, o sentido da vida e a felicidade estão justamente na ação de dar-se e entregar-se pelos demais. Cada ser humano está chamado a descobrir o sentido de sua existência a partir este parâmetro da autotranscendência.
Você já parou para refletir se em sua vida o primordial é a entrega pelos outros e a autotranscendência? Ou você se locomove mais desde padrões egocêntricos e de auto-realização? É o sentido de sua vida que está em jogo! Pense sobre isso.

Autor:  Prof. Msc. Arnin Braga





[1] FROMM, Erick. La vida auténtica. Editora Paidós: Barcelona, 2007. p. 27.
[2] Cf. FRANKL, Viktor. Em busca sentido. 45ª ed.  Editora Vozes: Petrópolis, 2019, p. 124.
[3] FRANKL, Viktor. Em busca sentido. 45ª ed.  Editora Vozes: Petrópolis, 2019, p. 125.
[4] FRANKL, Viktor. Em busca sentido. 45ª ed.  Editora Vozes: Petrópolis, 2019, pp. 124-125.
[5] Cf. FRANKL, Viktor. Em busca sentido. 45ª ed.  Editora Vozes: Petrópolis, 2019, p. 135.
[6] FRANKL, Viktor. El hombre doliente. Editora Herder: Barcelona. pp. 62-63.
[7] Cf. FRANKL, Viktor. Em busca sentido. 45ª ed.  Editora Vozes: Petrópolis, 2019, p. 135.


quarta-feira, 31 de julho de 2019

O CORVO E A COVA: uma análise da finitude humana a partir do poema “O Corvo”, de Edgar Allan Poe


O poema “O Corvo” (1845), do poeta romântico norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849), narra a história de um viúvo que, durante uma sombria madrugada, recebe uma estranha visita em seu cômodo: um corvo, mensageiro do mundo dos mortos. A ave pousa sob o busto de Palas Atenas – que na mitologia grega é a deusa da Razão – e observa friamente ao viúvo. Este, imediatamente pergunta ao corvo, ave das trevas, sobre o destino de sua finada esposa: Leonora. O viúvo pergunta-lhe também se um dia voltará a vê-la, se tornará a sentir o calor de sua presença e a vitalidade do amor experimentado na juventude, vivido ao lado de sua amada. Mas a única resposta do corvo é um lacônico: "Nunca mais!"
"Nunca mais" é a resposta que o tempo nos dá às recordações passadas. "Nunca mais" é a assertiva inclemente que a vida dá para os abraços sonhados, os amores não dados e os tempos desperdiçados. Bem como há um "nunca mais" para tudo de bom que se foi vivido, e que hoje, não é mais. "Nunca mais" o ontem. "Nunca mais" o hoje. E "nunca mais" será o amanhã vivido como se fosse eterno, pois a lição do corvo de Edgar Allan Poe é esta: a vida se esvai e nunca mais retorna.
O corvo de Poe repousa sobre o busto de Atenas, a deusa da Razão, revelando-nos simbolicamente que, ante a irremediável presença da morte, não há aparelho filosófico e racional que nos faça escapar da mesma ou salvar aqueles que amamos das garras do dia derradeiro. Esta impressão foi notada pela personagem de Machado de Assis (1839-1908), Brás Cubas, na ocasião do funeral de sua mãe: "Era a primeira vez que eu via morrer alguém. Conhecia a morte de ouvir dizer; quando muito, tinha-a visto já petrificada no rosto de algum cadáver, que acompanhei ao cemitério (...). Mas esse duelo do ser e do não ser, a morte em ação, dolorida, contraída, convulsa, sem aparelho político ou filosófico, a morte de uma pessoa amada, essa foi a primeira vez que a pude encarar" [1].
Outra célebre personagem que constatou a inércia da Razão frente ao corvo da morte foi o russo Ivan Ilicht, criado por Liev Tolstoi (1828-1910) em sua obra “A morte de Ivan Ilicht”, que em seu leito de morte reflete:
"O exemplo de silogismo que aprendera no compêndio de lógica de Kieseweter: Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal — encerrava um raciocínio que lhe parecia exato em se tratando de Caio, mas não da sua própria pessoa. Caio era um homem em geral e devia morrer. Ele, porém, não era Caio, não era um homem em geral; era um homem à parte, inteiramente à parte dos outros seres: ele era Vânia [diminutivo de Ivan], com sua mamãe e seu papai, com Mítia e Volódia, com seus brinquedos, com sua pajem, com o cocheiro, depois com Kátenka, com todas as alegrias, todas as tristezas, todos os entusiasmos da infância, da adolescência, da juventude (...). Caio é de fato mortal e é justo que morra. Mas eu, Vânia, Ivan Ilitch, com todas as minhas idéias, com todos os meus sentimentos — isso é coisa inteiramente diversa. E é impossível que eu tenha que morrer. Seria por demais horrível (...). Ivan Ilitch esforçava-se por desviar o pensamento dela (a morte), mas a maldita continuava a sua obra, chegava, postava-se diante dele e o olhava. Ivan Ilitch sentia-se paralisado, seus olhos se apagavam e ele indagava de novo: 'Será possível que seja ela a única verdade?' (...) Em seus esforços por fugir a esse estado, Ivan Ilitch procurava outras consolações, outros tapumes; e esses tapumes surgiam a um apelo seu e por um breve momento pareciam protegê-lo; mas quase que imediatamente após, sem desaparecer, se tornavam transparentes, como se ela (a morte) os atravessasse, e nada conseguia ocultá-la." [2]
Dessa forma, podemos constatar que para Poe, nem o busto de Atenas (a razão) é capaz de espantar ao corvo sombrio (a morte) e suas cortantes palavras: "Nunca mais". Sendo assim, a lição do corvo ao viúvo de Poe continua atual, em todas as noites, em todos os momentos de fragilidade, em todas as lembranças nostálgicas de um passado bem melhor que o atual presente, e em todas as noites em claro por causa de preocupações futuras: "Nunca mais!". O tempo escorre... E a vida, uma vez que se vai, "nunca mais".

Autor: Arnin Braga







[1] ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Egéria, 1978, p. 75.
[2] TOLSTOI, Liev. A Morte de Ivan Ilitch. Tradução: Marques Rebelo. E-book, cap. VI, pp. 31-33.
*Ilustrações de 1875 do pintor impressionista francês Édouard Manet (1832-1883), feitas para a versão francesa do poema “O Corvo”, de Edgar Allan Poe.


quinta-feira, 4 de julho de 2019

PROFESSOR SE VESTE DE “HARRY POTTER” E DÁ UM SHOW EM SALA DE AULA



Aconteceu numa cidade do Noroeste do Paraná, em Paraíso do Norte, um professor formado em filosofia, desafiado pela falta de interesse dos alunos, que diziam não gostar da matéria, resolveu se dedicar bastante para demonstrar que a Filosofia é capaz de transformar a maneira de pensar de todos que se põem a ouvir o que ela (Filosofia) tem a dizer.
Uma das mais incríveis façanhas foi realizada pelo professor quando ele resolveu se vestir de Harry Potter, e sair caminhando pelas ruas da cidade em direção ao Colégio que leciona. Ao chegar chamou a atenção de todos, logo “de cara”. Houve aquele “uhul” nos corredores, enquanto ele caminhava para a classe.
Dentro de sala os alunos ficaram espantados com tamanha criatividade, ao ponto de não se conterem e confessarem que estavam se sentindo atraídos pela disciplina, simplesmente pelo fato do professor de filosofia deles repassar o conteúdo com tanta alegria, ao ponto de repassar um sentimento contagiante.
O motivo da fantasia, não era porque havia festa na escola, ou coisa do gênero, mas por causa do conteúdo – Filosofia da Ciência: a alquimia Medieval e a busca pela pedra filosofal, que levou o professor investir nas roupas e preparar a aula com tanta maestria, coisa refletida no sorriso dos alunos, que não desviavam a atenção enquanto o professor falava...
Confesso que isso me deixa muito contente, em saber que ainda existem profissionais que dão o seu melhor para que a aprendizagem aconteça, no caso deste professor, que talvez, gastou mais do que tinha, para proporcionar uma aula incrível e assim fisgar os alunos para a importância da Filosofia, esta que é, com seus encantamentos e seduções, a mãe de todas as ciências.
Segue o link para ver as fotos, pois penso que coisas boas devem ser divulgadas.


Prof. Carlos Augusto.








O VAZIO EXISTENCIAL E A BUSCA DE SENTIDO: Como evitar o primeiro e encontrar o segundo?

O cotidiano é o lugar onde a vida realmente acontece. Nele vivemos nosso dia-a-dia, nos relacionamos, realizamos nossas atividades e exi...